Workaholic por amor, a designer criou a marca Botti para evitar que outras pessoas sentissem as dores que ela sentia e, aos 40 anos, encontra sossego junto ao barulho das máquinas de fazer sapato
Por Natália Eiras
Vivo Velvet Setembro 2024 Ed. 13
Bruna Botti, 40, sempre teve um ossinho em seu calcanhar que machucava quando usa- va certos tipos de sapatos. Foi esse incômodo que levou a designer para o mundo dos calçados. Para isso, teve que enfrentar a família, que queria que ela apostasse em uma profissão mais tradicional, e encontrar seu lugar no mundo da moda entre couro e outras matérias-primas de suas sapatilhas, rasteiras e saltos blocados.
“Lembro, quando era pequena, de ver minha avó costurando. Essa coisa de fazer com as mãos sempre foi muito forte para mim”, diz.
Ela fazia roupinhas para as bonecas, mas, aos 18 anos, teve que estudar administração. “Há alguns anos, a moda não era vista como uma grande carreira, né? Então tinha aquela coisa da família querer que eu fizesse medicina, engenharia. No fim, fazer administração foi bom porque me deu base para criar meu próprio negócio.” Mas, quando conseguiu cursar moda na Faculdade Santa Marcelina, entendeu que não queria criar roupas.
Foi estagiária da revista Estilo, mas descobriu os sapatos quando passou pelo ateliê de Paula Ferber. “Saí de lá, com a minha cabeça de menina, achando que já podia abrir a minha própria marca. Mas aí me dei conta de todo o trabalho, dos custos que são precisos para se manter uma empresa”, narra. Conseguiu mais experiência no bureau de estilo Tao Galeria, onde teve que criar para NK, Capodarte, e também para Mundial Calçados. Sem falar no Grupo Arezzo, que dava a sensação de que todos os sonhos se tornavam realidade. “Criar com muito dinheiro é fácil, mas ser criativo tendo que se preocupar com o custo do material é difícil”, diz.
“Na fábrica, eu transmuto, viro outra pessoa. Esqueço tudo e fico ali, nem vejo
se é dia ou noite.”
Sagitariana, Bruna se define como uma “moleca”. É expressiva, despojada, preza pelo conforto. Por isso, criou, em 2013, a Botti como uma marca para atender mulheres como ela: curtem se arrumar, mas andam bastante. Até usam salto, mas não querem andar como um pato. Não abrem mão da sapatilha (doa a quem doer, prin- cipalmente aos integrantes da geração Z, que desprezam o calçado), mas às vezes querem ficar meio femme fatale. Assim, as criações de Bruna costumam ser coloridas, em formatos orgânicos e diferentes.
Mãe de duas crianças, a empresária lembra que precisa segurar muitos pratinhos. Afinal, dez anos depois do lançamento de sua marca, há muita gente contando com o sucesso da empresa. “Quando era mais jovem, eu ia mais no fluxo. A Bruna de hoje é mais ponderada, gosta de seguir as coisas com um plano”, reflete. As coisas ficaram mais fáceis quando o marido dela, Rodrigo Strozenberg, também come- çou a trabalhar na Botti. “É mais tranquilo para ele entender quais são as prioridades”.
Ainda assim, não há problema algum para a designer em trabalhar bastante. Ela se define como workaholic por opção. Para apostar mais em seu bem-estar e cuidar da cabeça, voltou a jogar tênis. Mas o lugar onde ela desliga mesmo é na fábrica. Em um dia estressante no escritório, pega suas coisas e se embrenha no galpão de máquinas com o cheiro das matérias-primas e dos barulhos típicos de uma confecção.
A preocupação é encontrar o material ideal, a fôrma perfeita para abraçar os pés das consumi- doras da Botti. “Uma roupa pode ser usada apertada ou larga, oversize. A fôrma é muito mais flexível. Agora o sapato precisa caber com perfeição.” Assim como há um movimento das marcas de moda de abraçar diferentes tipos de corpo, Bruna procura acolher diferentes tipos de pés. “Levo em consideração a pessoa que tem joanete, a que tem os dedos ossudos. Tudo isso”. A memória da dorzinha no calcanhar que ela sentia garante que não desvie do seu propósito. “Não quero que ninguém passe pelo que eu passei”.