Forbes Life Fashion, Edição 5.
Matéria de Kanucha Barbosa / Foto Christian Maldonado 

Agulha no Palheiro

Uma coisa é fato: nos últimos 10 anos, o mercado de calçados brasileiros mudou. Um dos motivos foi o surgimento de pequenos produtos do segmento de luxo que investiram no trabalho feito à mão e autoral, levando os modelos nacionais para wishlists que antes eram quase todas tomadas por peças gringas. Uma das responsáveis por essa mudança foi a paulistana Bruna Botti, designer de sapatos da marca que leva seu sobrenome e que acaba de completar uma década de vida com loja nova no Shopping Cidade Jardim. 

Antes do voo solo, Bruna se formou em moda na Faculdade Santa Marcelina e trabalhou por 10 anos na indústria, em marcas como Paula Ferber, Alexandre Birman e Zeferino. Até que enxergou um gap em sua área e resolveu agir. Entre as opções nacionais, sentia que faltavam peças que trouxessem informações de moda e conforto ao mesmo tempo. Para ela (e muitas outras mulheres), os saltos altos, que eram maioria nas vitrines, não supriam as demandas do dia a dia de quem mora em uma cidade grande e tem que andar bastante a pé. Criou, então, a Botti, que dava preferência a "saltos baixos com borogodó", como ela própria define. A empresa começou tímida, com sede no escritório de sua família, e Bruna era a principal e única funcionária. Cuidava da produção, estilo, financeiro e administrativo. 

Em uma época na qual as "malinhas delivery" não eram tão conhecidas, Bruna contratava taxistas mulheres para saírem pela cidade entregando suas peças para potenciais clientes. A loja física veio depois de meses rodando pelo Jardins, em 2013, quando Bruna encontrou o lugar perfeito na pequena Rua Lupércio de Camargo, entre a Estados Unidos e a Barão de Capanema. Quis que o espaço tivesse "cara de casa", o que não era tão comum na vizinhança, principalmente na Rua Oscar Freire, onde as lojas tinham um certo padrão mais impessoal. O projeto arquitetônico priorizou materiais reaproveitados, espaços acolhedores e um jardim que cumpria o papel de quintal.O ponto existe até hoje e se tornou a flagship store da Botti, conservando um dos principais pilares da marca, o conforte, presente não apenas no produto, mas no atendimento e no espaço físico. 

Mistura Fina

Trabalho artesanal, autenticidade e desejo são algumas das palavras que permeiam a Botti — e que fazem com que a marca se destaque entre o mar de opções do mercado de luxo brasileiro. Bruna não trabalha com coleções sazonais e mantém a produção limitada, com poucas reposições. A criatividade é vista nos desenhos únicos e na escolha de matérias-primas. Atualmente, nas vitrines e no e-commerce da marca, é possível encontrar sandálias com tramas de crochê, pingentes de fios de cetim, bordados com canutilhos e suas famosas tranças em couro, marca registrada do modelo Rapunzel. 

De acordo com Bruna, desde o início, a ideia era que as peças fossem feitas com menos sobre de material possível e, por isso, a imaginação sempre foi posta à prova. O frescor que a marca transmite talvez venha da decisão de lançar novidades que não estão presas às estações do ano ou a tema específicos. Seu trabalho, intuitivo, olha mais pra dentro do que pra fora, sem se apegar a tendências do momento. 

Outra tática é investir nas parcerias. Entre os nomes que já fizeram colaborações com a Botti estão Paula Raia, Alix Duvernoy, A.Niemeyer e, mais recentemente, a marca Handred, em collab que nasceu com a proposta de peças sem gênero — o que fez Bruna se aventurar mais uma vez, criando modelos que vão do 34 ao 44. "Amo trabalhar com essa fluidez em meus designs, trazendo elementos do universo masculino para sapatos femininos", explica. Isso poder ser visto variados modelos de mocassins e oxfords que sempre fizeram sucesso entre as clientes.

A marca, agora com três fábricas parceiras, acaba de anunciar um crescimento de 200% em relação ao ano passado, e planos de expansão internacional também estão sendo estudados — atualmente o site entrega para outros países. Quando questionada sobre o sucesso, Bruna não tem dúvidas: "Gosto do que é verdadeiro. Quando as pessoas procuram a marca organicamente, percebo que o nosso trabalho realmente carrega algo único".